O INTERNATO


Justamente devido a tanta atividade na praia e tão pouca na escola, meus pais decidiram que eu deveria estudar em um internato, o Colégio São José em Petrópolis, distante das praias cariocas. Um belo dia entramos no carro e viajamos até Petrópolis, naquela época uma pequena e tranqüila cidade, cercada de belas obras como o Museu Imperial e a Catedral, onde repousam os restos mortais do último monarca brasileiro, Dom Pedro II.

A entrada em Petrópolis me assustou, era uma tarde cinza e fria e o silêncio incomodava. O prédio da escola era velho, da época do império, mas impressionava por suas linhas clássicas. O Diretor, Dr. Mário, nos recebeu em sua sala, onde conversamos demoradamente, depois o acompanhamos em uma visita ao colégio, que era bem maior do que imaginara.

Eram cerca de quatro horas da tarde quando meus pais se despediram e partiram de volta ao Rio de Janeiro, a volta devia ser feita sob a luz do sol para evitar os perigos da estrada. Fiquei só, caminhando na calçada, aguardando a hora do lanche (aos sábados e domingos não havia jantar, mas lanche). Havia notado um rapaz sentado na calçada, mas não quis me aproximar por não conhecê-lo.

Foi quando este rapaz perguntou se eu estava com frio, chamando-me de pingüim e convidando-me a sentar com ele. Fiquei indeciso um segundo, pois não sabia se ele estava brincando ou mexendo comigo. Sentei-me ao seu lado e começamos a conversar, primeiro sobre o frio, depois sobre a solidão do colégio nos fins de semana. Este rapaz acabou se transformando em um de meus melhores amigos no internato. Ele se apresentou para mim como "dez".

No internato ninguém sabia o nome de ninguém, apenas o número de registro, exceto aqueles pelos quais tínhamos grande amizade, isto porque eram muitos. Só em meu dormitório eram cento e cinqüenta camas, como guardar o nome de todos? Meu número era dois e o número de meus melhores amigos eram 46, 10, 115, 86 e outros. Infelizmente o único nome que consigo lembrar é de meu melhor amigo, o português Amado Luzamor dos Reis Moreira, o 46, hoje residente em Portugal.

O colégio era rigoroso e todos os nossos atos eram vigiados de perto, das refeições ao banho, do despertar ao recolher, dos armários aos estudos, inclusive as brincadeiras, sempre havia um inspetor próximo a nós. O interessante é que acostumamos a esse controle e passamos a viver com naturalidade. Mas a sensação de liberdade que sentíamos ao sair daquele velho prédio era indescritível.

O mais interessante é que as aulas, que deviam ser mais vigiadas, eram uma bagunça! Era preciso ter muita força de vontade para se dedicar ao estudo em uma sala onde alguns discutiam filmes, outros vendiam rifas, e outros batucavam sambas em suas carteiras. Às vezes o samba ficava irresistível, principalmente quando o horário era de Ciências, o coitado do professor era surdo e não escutava sequer as nossas cuícas!

Ainda bem que haviam os "estudos", espécie de estudo forçado de cerca de duas horas à tarde. Os estudos eram vigiados e aqueles que brincassem ou tentassem enganar os inspetores tinham seus nomes incluídos em uma "lista de castigo". Quando seu nome aparecia nesta lista você começava a receber castigos que iam de perda do direito de sair do colégio no fim de semana à detenção por tempo indeterminado, dependendo da gravidade da falta.

Lupércio Mundim

<< índice - capítulo 13 - capítulo 14 >>