AS BRINCADEIRAS


No internato aprontávamos mil brincadeiras para afastar a solidão e as saudades de casa, afinal a maioria dos internos estava muito longe de casa, tínhamos colegas da Bahia, do Pará, do Paraná e, até, de Portugal. Quanto mais distante o lar, maior a saudade. E a nossa união era muito grande, dificilmente haviam brigas, a não ser com os "externos", aqueles que viviam além dos muros do colégio.

Gostávamos de brincar de polícia e ladrão e quem era polícia na primeira vez era ladrão na segunda, senão ninguém queria ser ladrão. Este fato não se dava por motivos morais, mas porque já era tradição os ladrões levarem algumas pancadas da polícia. A brincadeira começava com os policiais se fechando em uma sala, enquanto os ladrões corriam pelos grandes pátios do colégio para se esconderem. Em alguns minutos os policiais saiam da sala e iniciavam a "caçada".

Então o colégio era tomado por um raro silêncio, os ladrões se escondiam e os policiais os procuravam em silêncio. De repente um policial localizava um esconderijo com alguns ladrões e começava a bagunça, ladrões correndo para não apanharem e policiais correndo para não deixar de bater. Certa vez um colega nosso se escondeu na caixa d’água de um velho casarão que fazia parte da escola (mas que era proibido aos alunos) e só apareceu horas depois do fim da brincadeira, com medo de apanhar. Outro colega se pendurou na janela do segundo andar do casarão e um policial, um pouco mais violento, pisou em seus dedos e o fez despencar. Graças a Deus nunca ninguém se machucou nestas brincadeiras.

O medo de apanhar dos policiais, aliado à alegria de os ludibriar, fazia com que realizássemos algumas façanhas. Certa vez um de nossos colegas se escondeu no chiqueiro (outra área proibida aos internos) e ficou dias fedendo como um porco, apenas as moscas dele se aproximavam. Uma vez eu e um colega estávamos procurando um refúgio seguro e (um fazendo escadinha e ajudando ao outro) pulamos para o forro do casarão, um lugar cheio de baratas e ratos, e escapamos dos ferozes policiais.

Outra boa brincadeira era a "Guerra de Pudins". A cozinheira guardava pães velhos para fazer pudim de pão, que eram avidamente consumidos, não para serem comidos mas, por serem muito duros, servirem de munição nas famosas Guerras de Pudins, que se realizavam logo após o almoço.

Lembro-me de que nunca ninguém saiu gravemente ferido nestas batalhas, mas certa vez um destes pudins atingiu minha perna direita e eu fiquei alguns dias mancando, era fogo. O interessante é que os Inspetores, encarregados da disciplina, não se importavam com nossas guerras e brincadeiras, creio que eles também já tinham passado por isto.

Mesmo um inspetor terrível como o Pedro Paulo, ficava sorrindo como um bobo enquanto apreciava nossas guerras. Nunca entendi a filosofia contida nestes fatos, afinal os Inspetores, com raras exceções como o Guedes, eram nossos inimigos mortais e viviam nos perseguindo dia e noite. Será que isto significava que eles também eram humanos?

Lupércio Mundim

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