A MANGUEIRA


Imponente e altaneira, bem no meio do quintal de baixo, estava a mangueira hoje centenária, cenário de minha infância, que tinha a habilidade de se transformar em muitas coisas. De mangueira, transformava-se em casa ou em avião em um piscar de olhos. Mas a mangueira nos impunha um desafio: Escalá-la até seu último galho, de onde se avistava toda a cidade e de onde, com binóculos, tentávamos (sem sucesso) acompanhar as corridas de cavalos no hipódromo.

Não era nada fácil vencer seu desafio, era necessário perícia e coragem, pois seus galhos eram grossos e escorregadios, mas um dia ela nos avisava que já éramos homens e nos abria seus braços. Era a suprema aventura. Depois de a termos escalado algumas vezes começávamos a rir de nosso medo e covardia, era fácil. Tudo é sempre assim...

Não sei dizer quantas vezes eu, meus primos e amigos despencamos de seus galhos, mas isto não era nada quando comparado à imensa felicidade que nos proporcionava. Bendito o momento em que meu avô tomou a decisão de plantá-la ali, no centro do quintal de baixo, como o maior e mais majestoso ente da família.

O mais interessante foi o domínio da mangueira em sucessivas gerações da grande família. Aqueles que a poucos meses ali pulavam e brincavam como macacos sobre a nossa dolorosa inveja, pouco algum tempo depois chegavam para de nós sorrirem: Estas crianças não tem jeito! Mas não deixavam de, discretamente, alisarem aquela árvore mágica, que encantou suas infâncias.

Quando um grupo amadurecia e abandonava a casinha na árvore, outro vinha e a ocupava com o orgulho de quem conquistou uma montanha. Naquela casinha discutíamos nossos planos de guerra de mamonas contra os inimigos do outro quarteirão, fingíamos que éramos audazes pilotos de caça ou bombardeiro, beijávamos nossas primeiras namoradinhas. Enfim, era o local mágico onde os meninos, através de atividades sadias, começavam a se sentir homens, portanto era sagrado.

No decorrer de minha geração, quando a ocupávamos, a casinha ruiu durante uma forte chuva e não conseguimos reerguê-la. Foi uma tragédia. Será que seremos os únicos da família a não termos uma casinha na mangueira? Foi quando minha tia ganhou uma geladeira e seu caixote foi jogado no quintal. Que barato!

No início o deixamos no chão e brincávamos nele como se ela fosse um avião,. Eu era piloto e minha irmã, Marizete, era aeromoça. Mas logo os passageiros (meus primos e amigos) começaram a pensar em colocá-lo na mangueira. Então pensei, não vamos transformar este caixote em outra casinha. Vamos fazer algo diferente, só nosso.

Imaginei o que seria melhor do que uma casinha-avião e logo concluí: um submarino! Cavamos durante uma semana um buraco no quintal de cima. Todos pensavam que estávamos fazendo uma piscininha. Aí colocamos a grande caixa, cobrimos com alguns centímetros de terra e abrimos uma pequena passagem em cima. Foi incrível, pena que depois de algumas semanas nossa família ficou encucada com aquele "clube subterrâneo" e nos ordenou que transformássemos o caixote em outra casinha na mangueira. Mas não esquecemos a aventura.

Lupércio Mundim

<< índice - capítulo 05 - capítulo 06 >>