A PASSAGEM


Nós morávamos em uma casa pequena mas confortável que meu pai havia construído, esta casa tinha um pequeno quintal muito gostoso, mas o principal é que ela era ligada, por uma passagem, ao quintal de meu avô, que era imenso. Meu avô tinha um casarão muito espaçoso com um quintal de cerca de mil metros quadrados. Este era o meu reino, passava o dia a pular de uma casa para a outra e em ambas eu era muito amado e paparicado. Se minha mãe me dava uma bronca eu corria para minha avó e vice-versa.

No caminho entre as duas casas ficava minha represa , formada pela água que escorria do tanque, minhas construções de barro e minhas fabulosas estradas que tinham até postes e linhas elétricas (sempre fui perfeccionista). Ali eu passava horas ajoelhado, construindo minhas obras. Na hora do banho minha mãe falava que já não era possível me limpar porque eu já estava encardido. Meu sócio nestas obras era meu primo-irmão José Carlos Fernandes Vasconcelos.

Eu podia ser o menino mais sujo e encardido do mundo, mas era o mais feliz, e não deixei de sê-lo. Quando ia jogar bola descalço nas ruas de terra da antiga Ipameri, meus pés ficavam tão sujos que minha mãe jurava que da próxima vez iria usar lixa para limpá-los. Era só para assustar, graças a Deus.

À noite as crianças da redondeza se reuniam na porta de casa, debaixo do poste de luz fraca e amarelada para brincar e contar histórias. Foi em uma destas noites que eu quase matei algumas beatas de susto. Um de meus primos tinha chegado da América e trouxera uma mascara verde horrorosa. Em uma noite eu vesti meu uniforme de zorro (todo preto), coloquei a máscara e fui para a viela que se inicia em frente à casa de meu avô e dá acesso à matriz e me escondi atrás de um poste.

Naquela época a luz de um poste iluminava uma pequena área de uns quatro metros quadrados e a escuridão era tal quem ficava fora destas áreas iluminadas praticamente não era visto. De trás do poste notei que as três beatas desciam a viela após a missa das sete. Esperei que elas se aproximassem e, entrando na área iluminada, dei o mais horrível grito que consegui. As beatas pularam, gritaram, tremeram e, por fim, correram como eu jamais imaginei que três velhas beatas pudessem correr.

No dia seguinte, na mesa do café, escutei minha mãe, apavorada, contar que uma besta tinha atacado umas velhas na viela e que o padre estava achando, pelo relato das velhas, que era coisa do capeta. Depois minha mãe nos proibiu de percorrer aquela viela ou qualquer outra rua após o entardecer. Mantive silêncio sobre minha participação no evento mas, em verdade, eu levei um susto maior que elas, pois as beatas fizeram uma cara tão feia e gritaram um grito tão desesperado que eu talvez tenha corrido mais do que elas. Fiquei muito tempo sem assustar ninguém, e assustar os outros era uma das minhas principais diversões.

Adorava pegar um mamão verde, tirar seu conteúdo, recortar a casca verde em formato de careta e colocá-lo sobre o muro à noite com uma vela acesa dentro. Parecia a cabeça de um demônio. Quando as pessoas, já temerosas, se aproximavam do local onde colocara o mamão, com uma vara eu o cutucava e ele se espatifava na calçada a alguns centímetros do pé da vítima, que corria e gritava como uma louca. Era o máximo!

Lupércio Mundim

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