O COROINHA


Aprendi tudo bem rápido e em algumas semanas estava sendo útil à paróquia. A parte da missa, em que todo paramentado adentrava no altar para ajudar o padre a celebrar a missa, era muito sério e até sagrado para mim. Sentia que, de alguma forma, estava ajudando Deus em seu trabalho de converter as pessoas. Mas o resto era só brincadeira.

Passava horas remexendo atrás do altar onde, achava eu, pouquíssimas e privilegiadas pessoas tinham acesso. Ora procurava a escada que levava ao paraíso, ora procurava pela porta por onde entrava o Espírito Santo, padroeiro da paróquia, pois um velho padre me dissera que para os bons meninos havia uma escada atras do altar que levava direto ao paraíso e outra por onde entrava o espírito santo.

Às vezes passava uma tarde observando o grande relógio e procurando um local secreto onde pudesse guardar coisas que fossem só minhas (uma de minhas preocupações na época). Ficava imaginando se fosse aquela máquina que controlasse o tempo, eu poderia pará-la para ficar mais tempo como criança (todos me diziam que a infância era a melhor época de suas vidas). Outras vezes imaginava que o mundo dependia de mim para não deixar parar o tempo, imaginava uma legião de inimigos subindo pelas escadas para parar o grande relógio. Uma verdadeira guerra santa imaginária.

Mas o "meu local" era o topo da torre, onde ficavam os sinos. Ali eu ficava vendo a cidade e imaginando quem construiu as casas, quem ali residia, etc. Ali eu sonhava com meu futuro simples mas feliz. Nunca pensei em ser um rei ou um milionário dono de dezenas de empresas e toneladas de ouro. Meus sonhos eram apenas casar, amar e ser amado, ter filhos, trabalhar, ter muitos amigos, etc. Entre os sinos, mais tarde, escrevi uma de minhas primeiras poesias. Algo assim:


Meu coração bate de dor
como esses sinos antigos,
pois vou perder o seu amor,
só me restam meus amigos.


Estava perdidamente apaixonado por uma garota que havia mudado para outra cidade, daí o exagerado romantismo destas pobres linhas. 

Mas sempre gostei de um pouco de solidão, talvez fruto de meu egoísmo, e aquelas horas passadas na torre eram saboreadas com sofreguidão. O barulho dos sinos já não me assustava e acabei me tornando um exímio batedor de sinos. Raramente havia mais de um coroinha na missa, mas quando havia fazíamos uma desesperada corrida para ver quem teria a honra de tocar o sino maior, que era o único que nos levantava a quase um metro do piso, que perigosa e destemida aventura.

Até que enfim, chegou o dia do ano em que o padre comprava um tonel de vinho e punha os coroinhas para engarrafá-lo. Meu primeiro porre! Foi demais, começamos tomando um gole a cada litro engarrafado, quando terminamos, dois dias depois, a paróquia tinha sofrido um prejuízo de quase cinco litros. E nós éramos apenas dois coroinhas e um candidato (sortudo!).

Lupércio Mundim

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