O EXPRESSO DO ORIENTE


Depois de passearmos por ruas e galerias sem encontrarmos sequer um papel de balinha no chão, resolvemos voltar à Iugoslávia para acalmar meus tios que, apavorados com o nosso sumiço, não paravam de telefonar. Passamos a mão nos preciosos quinhentos dólares que a Dorinha havia guardado para nós e tomamos o famoso Expresso do Oriente, que partia de Paris e, depois de atravessar toda a Europa, chegava a Istambul, na Turquia.

O Expresso era um trem diferente, com vagões mais antigos que o comum, tinha uma decoração meio belle epóque, o que lhe conferia um ar de estórias de Sherlock Holmes. Ficamos em uma cabine sozinhos, não por causa dos truques do Marco, mas por falta de passageiros. Quando pensamos que o trem iria passar por algum túnel, como o outro, ele subiu o suficiente para vermos as montanhas dos Alpes suíços.

A viagem corria às mil maravilhas, chegamos ao ponto de comprar dois frangos assados e dois litros de vinho numa daquelas estaçõezinhas para comer no trem. A paisagem era belíssima. Depois daquela maravilhosa refeição nós dormimos por algumas horas e, quando acordamos estava entardecendo sobre uma cidadezinha alemã.

Durante a noite fiquei horas olhando as dezenas de vilas e cidades por que passávamos, cidades que nunca conheceríamos, pessoas passando sem sequer olhar o trem. Quando o sono chegou já era tarde. Dormimos bem, como sempre. Já estávamos acostumados a dormir naqueles maravilhosos trens europeus.

O dia estava lindo e eu olhava pela janela como se estivesse vendo televisão, a paisagem estava sempre mudando, de país para país. De repente o trem começou a diminuir sua velocidade, pensamos que se aproximava de uma estação. Mas o trem ia parando bem devagar e nenhuma estação aparecia. De repente fiquei branco!

O trem estava entrando em uma espécie de campo de concentração, altas cercas de arame farpado guardadas por altas guaritas com soldados e holofotes. No chão haviam muitos soldados ostentando pequenas metralhadoras e, até, cachorros. Meu Deus, onde estamos? Perguntamos a um senhor que trabalhava no trem e ele nos disse que estávamos entrando na Iugoslávia. E eu que tinha achado ruim quando entramos de avião e eles nos fizeram esperar horas em um saguão congelado e fedido.

Quando o Expresso parou dezenas de soldados entraram e, de longe, podíamos ouvir o reboliço. Nossa mala era puro contrabando, levávamos uísque escocês, relógio suíço, camisas italianas, calças francesas, mas meu primo, por ser filho de diplomata, portava o passaporte diplomático. Ficamos tranqüilos.

Os soldados entraram em nossa cabine e foram direto pegar a mala. Quando tentamos explicar a um deles que não podia abrir aquela mala ele ficou branco, apontou sua metralhadora para nós e mandou outro soldado abrir a mala. O outro soldado abriu a mala e ali estavam os produtos que figuravam em primeiro lugar na lista de proibições para entrar no país.

Os soldados começaram a nos interrogar em servo-croata, gritando. Pensei comigo mesmo que desta não escaparíamos. Tentamos explicar falando em inglês, francês e espanhol, mas eles não entendiam nada e começaram a ficar mais nervosos, certamente pensando: Aqui tem! Falei baixinho em português para o Marco: Começa a rezar!

Lupércio Mundim

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