A GRANDE FAMÍLIA


Nasci no pós querra, em 1946, e minha família era uma família feliz. Não havia crise, não éramos ricos mas também não passávamos necessidades. Meu pai, José Cavalcanti Mundim, é um "self made man", oriundo de uma família muito pobre, com quinze irmãos, conheceu a fome e chegou a trabalhar em três locais ao mesmo tempo para auxiliar a família. Começou como office boy no Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A, em Araguari, Minas Gerais, e chegou a Gerente em Ipameri, Goiás, onde se casou e fixou residência. Fez apenas o primeiro grau, mas cursou as faculdades da vida e dos conhecimentos gerais, tornando-se dono de uma grande cultura. Minha mãe, Maria Geralda Costa Mundim, trabalhava como professora para ajudar meu pai. Suas irmãs, Maria Alice Costa e Diva Costa, ajudavam a nos criar enquanto minha mãe ia ministrar suas aulas. Minha mãe é uma pessoa muito simples, mas dotada de uma rara inteligência.

Como a família se fixou em Ipameri, tive muito mais contato com a família materna, que ali residia, do que com a família paterna, que se esparramou pelo país. Nasci em Taubaté, São Paulo, apenas porque minha mãe queria dar à luz perto de sua mãe, que ali passava uma temporada, mas me considero Ipamerino.

Meus avós maternos, Claudemiro Bernadino da Costa, apelidado de Tico, e Maria Rosa Mendes Costa, apelidada de Zita, eram pessoas maravilhosas, daquelas que hoje já não se encontram, totalmente dedicados à grande família. O amor entre nós era algo muito especial, temo que poucas pessoas no mundo receberam tanto amor como eu, minha irmã, Marizete, e nossos primos..

Meus pais eram muito amorosos, mas severos. Talvez por isto a doce figura de meu avô foi a que mais ficou gravada em minha infância. Era um homem alto e forte mas dotado de enorme alegria e bondade. Meu avô era, ao mesmo tempo, avô e amigo, fonte de incontáveis alegrias e lembranças. A ele devo o que apenas Deus poderá pagar.

Hoje penso que meu avô deveria ser descendente de chinês, porque nunca vi ninguém dotado de tamanha paciência, principalmente com crianças. Quando aprontávamos alguma ele apenas sorria e dizia que se não fossemos embora meus pais ficariam bravos (ele nunca). Um belo dia comprou um burro tão manso que até nos irrritava com sua calma. Neste burro montávamos dois ou três de uma vez e ele saía nos rebocando pela cidade, primeiro ia ao armazém, depois ao açougue, depois à venda, onde tomava um golinho de pinga e voltava sob um sol escaldante, puxando o burro e carregando suas compras, como se estivesse passeando sob as sombras de um jardim europeu. Que homem fantástico.

Mas o que mais nos deixava felizes era o seu apoio nas horas mais difíceis. Chegava ao ponto de, sem nos mimar, sair conosco dizendo ir a outro lugar e nos levar ao circo, que nos havia sido proibido e que aparecia apenas uma vez ao ano. E o impressionante é que ele não se cansava nem se irritava, nem quando eu passava longos minutos balançando sobre suas pernas cruzadas que eram o meu cavalo "Faísca" (o cavalo de um cowboy da época). Ele era fora de série!

Certa vez fomos tomar banho pelados no riacho e demoramos muito, deixando minha avó muito brava. Vendo que poderíamos sofrer um severo castigo, meu avô adiantou-se e disse: Deixa que eu vou buscar esses moleques! Foi até o riacho, esperou que déssemos os últimos mergulhos no poço e veio nos escoltando na volta. Ao aproximarmos de casa ele cortou uma varinha de marmelo e disse: Tratem de começar a chorar. Chegamos na porta de casa com ele nos batendo (suavemente) a varinha e nós quase morrendo de chorar e pedindo: Chega vovô, chega! Minha avó, que era severa, ficou com dó e tratou de pedir ao meu avô que parasse com o castigo, já era suficiente!

Alguns podem até pensar um absurdo: que meu avô era irresponsável, mas eu não aceito classificação alguma a não ser a de um anjo com um coração imenso, que só se preocupava com que tivéssemos uma infância feliz, em uma família feliz.

Lupércio Mundim

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