MEU AVÔ


          Meus pais eram muito amorosos, mas severos. Talvez por isto a doce figura de meu avô foi a que mais ficou gravada em minha infância. Era um homem alto e forte mas dotado de enorme alegria e bondade. Meu avô era, ao mesmo tempo, avô e amigo, fonte de incontáveis alegrias e lembranças. A ele devo o que apenas Deus poderá pagar. Hoje penso que meu avô deveria ser descendente de chinês, porque nunca vi ninguém dotado de tamanha paciência, principalmente com crianças. Quando aprontávamos alguma, ele apenas sorria e dizia que se não fossemos embora meus pais ficariam bravos (ele nunca).

          Um dia ele comprou um burro tão manso que até nos irritava com sua calma. Neste burro montávamos dois ou três primos de uma vez (cowboys) e ele saía nos rebocando pela cidade, primeiro ia ao armazém, depois ao açougue, depois à venda, onde tomava um golinho de pinga e voltava sob um sol escaldante, puxando o burro e carregando suas compras, como se estivesse passeando sob as sombras de um jardim europeu. Que homem fantástico.

          Mas o que mais nos deixavam felizes era o seu apoio nas horas mais difíceis. Chegava ao ponto de, sem nos mimar, sair conosco dizendo ir a outro lugar e nos levar ao circo, que nos havia sido proibido e que aparecia na cidade apenas uma vez ao ano. E o impressionante é que ele não se cansava nem se irritava, nem quando eu passava longos minutos balançando sobre suas pernas cruzadas que eram o meu cavalo "Faísca" (o cavalo de um cowboy da época). Ele era um avô fora de série!

          Seu falecimento atingiu-me tão profundamente e dolorosamente que tive que ser levado a um hospital para tomar soro e recuperar as forças, hoje compreendo que tudo neste planeta segue os desígnios de Deus e que tudo, até as tragédias, é feito em nosso próprio benefício, mas ainda fico sentido quando penso no meu avô querido.

           Ainda posso vê-lo, sentado na cadeira do alpendre, fumando seu cigarro de palha, rindo e contando para seus netos extasiados suas aventuras de quando era boiadeiro, dizendo-nos como atravessava o Rio Corumbá montado em um boi, porque naquela época ainda não havia uma ponte e porque os bois nadam muito melhor do que os cavalos! A saudade é como um espinho espetado no coração, às vezes o esquecemos por algum tempo, mas geralmente ele nos machuca demais.

Texto do livro "Os Telhados de Ipameri" de Lupércio Mundim


Webdesigner
Poetic Soul Counters
Topsites